sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resumo - Os Lusíadas (CANTO IV)

D. Fernando morre, e a viúva D. Leonor quer a todo preço que sua filha Beatriz seja herdeira do trono. Porém, a fama de adúltera que a rainha tinha gera desconfiança de que Beatriz fosse filha legítima de D. Fernando, o que faz com que D. Leonor ponha Castela em guerra contra Portugal, de forma que os Lusitanos corriam o risco de perder a sua independência.

D. João (Joane), filho ilegítimo do falecido D. Fernando, decide juntar forças para defender Portugal. Ninguém crê na vitória portuguesa, mas Nuno Álvares, exímio guerreiro português, acredita em João e decide incentivar a população a tê-lo como rei. Aos poucos convence os lusitanos, que agora bramam: “– Viva o famoso rei que nos liberta!”. A guerra começa. Gama fala dos portugueses traidores que ficaram ao lado de Castela, muitos deles parentes dos que ali guerreavam por Portugal. A ofensa dos Portugueses de ter que matar seus parentes é menor do que a dos que estão do outro lado, pois lutam contra sua pátria e seu rei. “Que menos é querer matar o irmão/ Quem contra o rei e a Pátria se alevanta” (32).

Na guerra, D. João se porta como um verdadeiro rei e, enfim, “a sublime bandeira castelhana/ foi derribada aos pés da lusitana” (41). Depois de muitas conquistas e vitórias sobre os castelhanos, os vencedores dão aos vencidos paz, pois os reis inimigos (de Portugal e de Castela) casam-se ambos com “ilustríssimas inglesas”. D. João, “não tendo a quem vencer na terra/ vai cometer as ondas do Oceano” (48), dando inicio à atividade marítima em Portugal. Os filhos de D. João e D. Filipa de Lencastre ficaram conhecidos como “Ínclita Geração” (Duarte; Henrique, o navegador; Pedro; Isabel de Portugal; João; Fernando, o infante santo), pois cada um deixou uma marca importante na história de Portugal. “Ínclita geração, altos infantes”(50), diz Gama.

Com a morte do rei D. João, seu filho D. Duarte passa a governar, mas, diferente do pai, não consegue um reinado “tão ditoso”, pois vê seu irmão Fernando ser morto em cativeiro pelos Sarracenos. Em seguida vem Afonso V, “que a soberba do bárbaro fronteiro/ tornou em baixa e humílima miséria” (54), rei que ficou conhecido pelas conquistas no norte da África e que “fora por certo invicto cavaleiro/ se não quisera ir ver a terra Ibéria” (54). Gama diz isso porque o fracasso de Afonso V começou quando este, após ter conquistado grande parte da África, decide investir contra a Península Ibérica e contra Castela, onde não obtém vitória. A sua ambição e a sua “glória de mandar” o derrotaram.

D. João II, “sublime e soberano, gentil, forte, animoso cavaleiro” (59) o sucede, e é celebrado na história de Portugal por ter delineado o primeiro projeto de viagem em busca do caminho marítimo para a Índia. Porém, os homens que mandara em viagem, tendo alcançado as “terras de Mafamede”, não conseguem completar a jornada e retornar para contar a história (65):

Viram gentes incógnitas e estranhas

De Índia, de Carmânia e de Gedrosia

Vendo vários costumes, várias manhas

Que cada região produz e cria

Mas de vias tão ásperas, tamanhas

Tornar-se facilmente não podia;

Lá morreram enfim e lá ficaram

Que à desejada Pátria não tornaram

D. João, não tendo sucessor, nomeia seu primo legítimo e cunhado D. Manuel e com ele os Portugueses conseguirão o que desde D. João I almejam (66).

Parece que guardava o claro Céu

A Manuel e seus merecimentos

Esta empresa tão árdua, que o moveu

A subidos e ilustres movimentos;

Manuel, que a Joane sucedeu,

No reino e nos altivos pensamentos

Logo como tomou do Reino cargo

Tomou mais a conquista do mar largo

Conta Camões que D. Manuel, ao se deitar, teve um sonho profético. No sonho, dois homens “que mui velhos pareciam” (71) se apresentam ao rei como sendo um o “ilustre” rio Ganges, e outro o rio Indo, assim dizendo (74):

Te avisamos que é tempo que já mandes

A receber de nós tributos grandes (...)

Custar-te-emos contudo dura guerra

Mas, insistindo tu, por derradeiro

Com não vistas vitórias, sem receio

A quantas gentes vês porás o freio

Ao acordar, o rei imediatamente chama seus aliados e conta a respeito do sonho, deixando todos admirados e com a certeza de que aquilo era um aviso dos céus a favor dos Portugueses. D. Manuel então convoca Vasco da Gama para realizar esta missão. “Por vós, ó Rei, o espírito e carne é pronta” (80); e logo Nicolau Coelho e Paulo da Gama se oferecem para acompanhar o capitão Gama. A maioria dos Portugueses, porém, maldiz a viagem dos navegantes, por saberem dos perigos e da “crueldade do mar” (89).

Em tão longo caminho e duvidoso

Por perdidos as gentes nos julgavam;

As mulheres c’um choro piedoso

Os homens com suspiros que arrancavam.

Mães, esposas, irmãs, que o temeroso

Amor mais desconfia, acrescentavam

A desesperação e frio medo

De já nos não tornar a ver tão cedo

Nas praias, entre a gente que acompanhava chorosa a partida das naus, surge a figura do Velho do Restelo, um homem que alteia a voz e profetiza em sua fala as angústias e tormentos que “a glória de mandar” e a “vã cobiça” irão causar àqueles homens. Sua fala, da estrofe 95 a estrofe 104, finaliza o canto IV.

Resumo - Os Lusíadas (CANTO III)

Da estrofe 1 a estrofe 5, antes de começar a narrar o que Vasco da Gama dissera ao rei Melindano, Camões pede ajuda à Calíope (musa da poesia épica), para que ela o inspire e o faça poder cantar as glórias de Portugal da forma “como merece a gente lusitana”:

Agora tu, Calíope, me ensina

O que contou ao rei o ilustre Gama

Inspira imortal canto e voz divina

Neste peito mortal, que tanto te ama

Na estrofe 6 se inicia o extenso relato da história de Portugal, que perdurará até a estrofe 89 do canto V. Em sua fala, Gama diz que primeiro tratará “da larga terra” e depois dirá “da sanguinosa guerra” (5). Assim, ao falar da terra, Vasco da Gama aborda o espaço geográfico da Europa, discorrendo brevemente sobre os principais países – assim considerados à época –, como a Itália, “a clara Grécia” que encanta “não menos por armas que por letras”, “a soberba Veneza”, “a nobre Espanha” que cria “belicosos peitos”, a Gália, etc. Em suma: “Todas de tal nobreza e tal valor/ Que qualquer delas cuida que é melhor” (18).

A partir da estrofe 20, fala especificamente de Portugal e de como ela teve a ajuda dos Deuses para seu sucesso: Cronos tornou a Lusitânia grande parte do mundo, erguendo um reino ilustre “cuja fama ninguém virá que dome” (20). Em seguida, Camões se destina a contar a história dos reinados e dinastias portuguesas, principiando com a história D. Henriques.

O conde Borgonhês D. Henriques, muito bravo e exímio guerreiro, conquistou a confiança do rei de Leão e Castela (Afonso VI) e, assim, “Quis o rei castelhano que casado com Teresa, sua filha, o conde fosse; E com elas das terras tomou posse” (25), ocupando o reino de Castela. Deste matrimônio nasceu D. Afonso Henriques, que herda o nome do avô. Passado alguns anos, quando o conde morre, Afonso encontra-se em “tenra mocidade”, pronto para assumir a liderança do reino.

Conta-se, entretanto, que Teresa, mãe de Afonso, assim não o permitiu, “dizendo que nas terras a grandeza do senhorio todo só sua era” (29). “E não vê a soberba o muito que erra/ Contra Deus, contra o maternal amor” (31). Afonso Henriques, por sua vez, não aceita a dominação da mãe e, “vencido da ira o entendimento”, vai atrás de seus direitos e mata Teresa. O rei Afonso VII, de Leão, decide vingar a morte da irmã Teresa e cerca o príncipe português. Afonso Henriques é então obrigado a reconhecer a supremacia do monarca hispano, mas consegue que o inimigo levante o cerco, prometendo-lhe vassalagem, pois Egas Moniz, fidalgo luso, oferece-se como fiador dessa promessa. Não tendo sida cumprida pelo príncipe Afonso Henriques, Egas Moniz, com sua família, apresenta-se ao monarca Afonso VII: “eis aqui venho oferecido/ A te pagar co’a vida o prometido” (38). Graças à fidelidade portuguesa, representada pela figura alegórica de Egas Moniz, o rei Afonso VII “vendo a estranha lealdade/ mais pôde, enfim, que a ira, a piedade” (40).

Em seguida, Vasco da Gama narra a batalha de Ourique, na qual Afonso Henriques e “o lusitano exército ditoso/ luta contra o Mouro que as terras habitava/ de além do claro Tejo deleitoso”. Afonso estava muito preocupado com esta batalha, pois “cinco reis mouros são os inimigos” e para um só português “cem mouros haveria”; até que Deus aparece para ele em sonhos, encorajando-o[1]. Auxiliado por forças divinas, a batalha irrompe e o português consegue derrotar o grande exército mouro: “uns caem meio mortos, e outros vão/ a ajuda convocando do Alcorão” (50). Esta vitória foi tão importante que Afonso Henriques modifica o brasão português: “aqui pinta no branco escudo ufano/ que agora esta vitória certifica/ cinco escudos azuis esclarecidos/ em sinal destes cinco reis vencidos” (53).

O canto segue mostrando as conquistas do rei Afonso Henriques, “o grão rei incansável”, “cuja usança era andar sempre terras conquistando” (68). Na estrofe 69, porém, percebemos a reviravolta que está por vir.

Mas o alto Deus, que para longe guarda

O castigo daquele que o merece,

Ou, para que se emende, às vezes tarda,

Ou por segredos que homem não conhece,

Se até’qui sempre o forte rei resguarda

Dos perigos a que ele se oferece

Agora não lhe deixa ter defesa

Da maldição da mãe, que estava presa

O fato de Afonso Henriques ter matado sua mãe faz com que ele, mais cedo ou mais tarde, sofra as conseqüências. O bem aventurado rei acaba sendo vencido e preso pelo exército dos Leoneses (é importante ressaltar a figura da Némesis, deusa do equilíbrio entre a ventura e a desventura que é citada neste trecho); Sancho, filho de Henriques, vai lutar para tirar o pai da prisão, mas é cercado em Santarém. O pai, sabendo disso, consegue fugir da prisão e salvar o filho. Até que Afonso, “quando tudo enfim vencido andava/ da larga e muita idade foi vencido” (83).

Os altos promontórios o choraram

E dos rios as águas saudosas

Os semeados campos alagaram

Com lágrimas correndo piedosas

Mas tanto pelo mundo se alargaram

Com fama suas obras valerosas

Que sempre no seu Reino chamarão

“Afonso! Afonso!” Os ecos, mas em vão

Passado algum tempo, Sancho morre e deixa como herdeiro Afonso II que, por sua vez, deixa como herdeiros Sancho II, “sempre ao ócio dado”, e Afonso III. Herdando a linhagem de Afonso III vem D. Dinis I. “Com este o Reino próspero floresce/ (Alcançada já a paz áurea divina)/ Em constituições, leis e costumes/ na terra já tranqüila claros lumes” (96). Os descendentes de D. Dinis são Afonso IV e Sancho III, mas quem assume o reino é Afonso IV, pai de D. Pedro I. Aqui conhecemos a linda história de Inês de Castro.

Em linhas gerais, a história se passa do seguinte modo: D. Pedro, viúvo de D. Constança, se apaixona por Inês de Castro e com ela tem três filhos. Os conselheiros de D Afonso IV, com medo de que estes filhos pudessem criar problemas para a sucessão de D. Fernando (filho legítimo de D. Pedro I), incitam o rei a eliminar a amante de D. Pedro. Capturada, Inês clama para que Afonso IV tenha piedade e que a mande para muito longe, ela e os seus filhos, mas que não a mate.

Queria perdoar-lhe o rei benino

Movido das palavras que o magoam,

Mas o pertinaz povo e seu destino

(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.

Arrancam das espadas de aço fino

Os que por bom tal feito ali apregoam.

Contra uma dama, ó peitos carniceiros,

Feros vos amostrais e cavaleiros?

Mais tarde, quando D. Pedro assume a regência, vinga-se da morte da amante, torturando dois dos assassinos dela e fazendo com que a corte portuguesa beijasse as mãos de Inês, já morta. Além disso, D. Pedro manda colocar Inês num trono para que ela seja coroada rainha (fato cuja veracidade não está comprovada).

O canto III termina narrando a respeito do “brando, remisso e sem cuidado algum” D. Fernando, filho de D. Pedro I, que “tomou” D. Leonor de seu marido e casou-se com ela. O “castigo claro do pecado” (139) (o pecado de cobiçar mulher alheia) de D. Fernando foi ter um péssimo reinado, no qual “esteve perto de destruir o Reino totalmente” (138).


[1] A aparição de Cristo a Afonso Henriques é uma lenda que de fato existe em Portugal

Resumo - Os Lusíadas (CANTO II)

Ao chegar a Mombaça, Vasco da Gama e sua frota são muito bem recebidos, mas o capitão, cauteloso, decide não adentrar na cidade, pois já escurecia. Para certificar-se de que se tratava de povo honesto e cristão, Gama manda dois degredados seus fazerem a vistoria na cidade e, pela manhã, se tudo corresse bem, poderiam adentrar com segurança. Baco, já prevendo que isto aconteceria, fez com que todos os habitantes se fingissem de cristãos e até fabricou “um altar sumptuoso, que adorava” (10). Camões diz na estrofe 12: “o falso Deus adora o verdadeiro”. Baco, o falso deus, adorando o verdadeiro. Pela manhã, os dois degredados dizem ao capitão que naquela terra “viram sacras aras e sacerdote santo” e “que no rei e gentes não sentiram senão contentamento e gosto tanto” (15) e, assim, “o nobre Gama recebia alegremente ou mouros que subiam”, enchendo a nau da “gente pérfida” (16), sem imaginar o que de fato ocorria. Mas Ericina (Vênus), “vendo a cilada grande e tão secreta,/ voa do céu ao mar como uma seta/ convoca as alvas filhas de Nereu (Nereidas) /(...)/ para estorvar que a armada não chegasse/ aonde para sempre se acabasse” (18-19). Dione (Vênus) e as nereidas forçam para que a nau recue e vá para outro caminho. Os portugueses, por sua vez, não entendendo aquela repentina força da natureza forçam o contrário. Instala-se uma celeuma que espanta a maura gente: sem saber o que se passava, “cuidam que seus enganos são sabidos/ e que hão de ser por isso aqui punidos” (25). Fogem amedrontados os mouros, e assim também o piloto falso, que se joga na água. Neste momento, vendo fugir os mouros e o piloto, Vasco da Gama “entende o que ordenava a bruta gente” (29) e agradece à Divina Providência por lhes ter mostrado que se tratava de farsantes e roga a Deus que os ajude a encontrar o que tanto ensejam (32):

Nalgum porto seguro de verdade

Conduzir-nos já agora determina

Ou nos amostra a terra que buscamos,

Pois só por teu serviço navegamos

Vênus ouve a súplica de Gama e se dirige a Júpiter para interceder em favor dos portugueses. “Fermosa filha minha, não temais/ Perigo algum nos vossos lusitanos/ Nem que ninguém comigo possa mais/ que esses vossos olhos soberanos” (44). Júpiter, da estrofe 44 à 55, responde ao pedido de Vênus, e promete à filha que todos os seus anseios serão assegurados, pois os portugueses conseguirão chegar à Índia e realizar grandes feitos. Para dar cabo a tormenta lusitana, manda “o consagrado filho de Maia à Terra”(56) (Mercúrio), para que este encontre um porto seguro e, em sonhos, indique aos portugueses o caminho. Como diz Camões, “Pouco vale coração, astúcia e siso/ Se lá dos céus não vem celeste aviso”(59). Assim faz Mercúrio e, quando Vasco da Gama se deita, Deus aparece em sonhos e diz (61 - 63):

Fuge, Fuge, lusitano

Da cilada que o rei malvado tece

Fuge, que o vento e o céu te favorece(...)

Vai-te ao longo da costa discorrendo

E outra terra acharás de mais verdade

O capitão acorda em sobressalto e ordena (65):

– Dai velas (disse), dai ao largo vento

Que o céu nos favorece e Deus o manda

Que um mensageiro vi do claro Assento

Que só em favor de nossos passos anda

Chega a frota enfim a Melinde, “cidade mais verdadeira e mais humana”, onde os portugueses são acolhidos com “oferecimentos verdadeiros e palavras sinceras”(76). O rei da cidade providencia ao capitão tudo o que de melhor possuía em sua terra: “aqui terá de limpos pensamentos/ piloto, munições e mantimentos” (88) e Vasco da Gama fica lisonjeado, prometendo ao rei que “Onde quer que eu viver, com fama e glória/ Viverão teus louvores em memória”(105). Depois do capitão lusitano ter comido e descansado, o canto II termina com a fala do rei de Melinde a Vasco da Gama, pedindo que este conte de sua terra: o clima, o princípio do Reino, os sucessos das guerras, os tormentos vividos no mar e os costumes alheios observados durante a navegação. Tudo isto quer saber o rei sobre a tão famosa Lusitânia, pois, afinal, “quem há que por fama não conhece/ as obras portuguesas singulares?” (111).

Resumo - Os Lusíadas (CANTO I)

Nas estrofes 1-3 do Canto I ocorre a Proposição, ou seja, Camões diz do que se trata o poema e a que ele se propõe: cantar (louvar) as armas (feitos militares), os barões (homens ilustres), “as memórias gloriosas” e aqueles que “por obras valerosas, se vão da lei da morte libertando”, ou seja, aqueles que por feitos ilustres deixaram sua marca na história de Portugal. Enfim, Camões irá cantar, de modo geral, o “peito ilustre lusitano”. Nas estrofes 4-5 ocorre a Invocação: o poeta pede ajuda às Tágides, ninfas do Tejo, para que elas inspirem-no a cantar os feitos portugueses. Nas estrofes 6-18 ocorre a Dedicatória. Camões pede a D. Sebastião que dê a ele “favor ao novo atrevimento”, para que os seus versos “vossos sejam” (sejam destinados a D. Sebastião). No canto 19 começa a narrativa propriamente dita. Os portugueses estão em pleno mar quando Júpiter convoca os Deuses no Olimpo para um concílio, a fim de definir qual será o destino da frota de Vasco de Gama – se os portugueses conseguirão ou não encontrar o caminho das Índias. Júpiter, por sua vontade, quer ajudar os Portugueses: “Que sejam, determino, agasalhados nesta costa africana, como amigos, e tendo guarnecida a lassa frota tornarão a seguir sua longa rota”. Baco, entretanto, não aceita de forma alguma a vitória dos lusitanos, posto que isto implicasse na perda de sua fama no Oriente. Baco “teme agora que seja sepultado seu tão célebre nome em negro vaso da água do esquecimento”, ao passo que Vênus, “afeiçoada à gente lusitana”, defende os portugueses, juntamente com Marte. Os Deuses não conseguem entrar em consenso, um verdadeiro tumulto se instala: “Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida: tal andava o tumulto levantado entre os Deuses no Olimpo consagrado”. Até que Marte se dirige a Júpiter incitando que este tome a decisão certa: ficar ao lado dos portugueses. Diz Marte “Não ouças mais, pois és juiz direito, razões de quem parece que é suspeito”(Baco) e, assim, Júpiter consente no que diz Marte. Na estrofe 42, é retomado o plano da viagem e aqui encontramos os portugueses “entre a costa da Etiópia e a famosa Ilha de São Lourenço”, navegando tranquilamente até se depararem com batéis e pessoas: era Moçambique. Camões descreve a precariedade daquela região. “Das cintas para cima vêm despidos/ Por armas têm adagas e terçados”. Os Moçambicanos se dirigem ao navio dos Portugueses e o “Capitão sublime” os recebe e “as mesas manda pôr em continente”. Servido o banquete, os Moçambicanos

Comendo alegremente, perguntavam,

Pela Arábia língua, donde vinham

Quem eram, de que terra, que buscavam,

Ou que partes do mar corrido tinham.

Os fortes Lusitanos lhe tornavam

As discretas respostas que convinham:

– Os Portugueses somos do Ocidente,

Imos buscando as terras do Oriente.

No dia seguinte, o regedor da ilha se dirige à frota portuguesa a fim de receber algumas informações. O regedor quer saber qual a religião daqueles homens e Vasco da Gama responde: “A lei tenho daquele a cujo império/ Obedece o visível e o invisível” (a lei de Deus); quer ver também as suas armas e Gama diz: “Como amigo as verás, porque eu me obrigo/ Que nunca as queira ver como inimigo”, mas não as mostra por completo. Inspirado por Baco, “um ódio certo na alma” do regedor vai surgindo, ódio esse que acaba sendo percebido pelos Portugueses. Assim, o grão Tebano (Baco), que planeja fazer com que os portugueses “nunca vejam as partes do Oriente”, desce à terra africana na forma de um velho e sábio mouro, muito conhecido e respeitado na região. Fantasiado, Baco convence a todos os Moçambicanos de que aqueles homens eram maus, eram “cristãos sanguinolentos” que queriam os destruir. Diz ele: “Todos seus intentos / são para nos matarem e roubarem/ e mulheres e filhos cativarem”. O velho diz ainda que, caso sejam derrotados, o regedor deve indicar um piloto falso para que os portugueses jamais consigam o que querem. No dia seguinte, entretanto, os portugueses já pressentiam a emboscada. A batalha é travada e o português “bramando, duro corre e os olhos cerra/ derriba, fere e mata, e põe por terra”, castigando “a vil malícia, pérfida, inimiga”. Vencidos brutalmente, os Moçambicanos sobreviventes, conforme os instruiu Baco disfarçado, mandam aos Portugueses, em figura de “paz”, o falso piloto. E assim partem os lusitanos, imaginando estarem com piloto verdadeiro. Apesar dos esforços contrários de Vênus, os portugueses chegam à ilha de Mombaça, acreditando que se tratava de um povo cristão. Os habitantes de Mombaça, já instruídos por Baco, se disfarçam de cristãos e recebem os portugueses festivamente. “O recado que trazem é de amigos/ Mas debaixo o veneno vem coberto/ Que os pensamentos eram de inimigos”. Camões finaliza o Canto I com esta belíssima estrofe, lamentando a tormenta lusitana:

No mar tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida!

Na terra tanta guerra, tanto engano

Tanta necessidade aborrecida!

Onde pode acolher-se um fraco humano,

Onde terá segura a curta vida,

Que não se arme e se indigne o Céu sereno,

Contra um bicho da terra tão pequeno?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mas o que é mesmo gramática?

Existe, hoje, uma forte deturpação da concepção do que venha a ser uma gramática, causada, principalmente, pela limitada maneira como é abordada a questão nas aulas de português. A lingüística, ciência que estuda a língua, sequer é mencionada nas escolas, e isso gera a idéia de que estudar uma língua se resume a aprender uma série de regras para um “português correto”, que ninguém fala, apenas conhece.

Temos a terrível idéia de que podemos “assassinar a língua”, como se ela fosse uma entidade que está fora de nós; sem saber que, na verdade, nós é que criamos a língua, e a gramática surge como uma forma de sistematizar o funcionamento do idioma. Não é a gramática que impõe a linguagem, e sim a linguagem que diz como a gramática deve ser.

Desde o século XIX, os lingüistas perceberam que a mudança, a evolução, é caráter inerente de toda língua. Aí é que está o problema, pois a Língua Portuguesa se modifica a todo instante, e existe uma tendência burocrática que impede as atualizações nas gramáticas normativas. Só depois de quinhentos anos de utilização da expressão “Vos mercê” ao invés de “Vossa mercê” é que a mesma foi, digamos, “regularizada”, aceita.

Certa vez assisti a uma palestra onde o palestrante proferiu a seguinte frase: “Ensinar português é mais ensinar filosofia do que qualquer outra coisa”. Hoje, entendo o porquê. Lingüística é filosofia da linguagem, e os estudos fonéticos, morfológicos, sintáticos, semânticos e estilísticos são extremamente filosóficos e, acreditem, interessantes! Entretanto, o que é repassado aos alunos – talvez por subestimar a capacidades dos mesmos, ou talvez pela mediocridade de muitas pessoas que cursam Letras e que não entendem a filosofia por trás disto tudo – é repassado de forma acrítica e, muitas vezes, sem que os estudantes possam perceber a relevância daquilo.

O preconceito lingüístico é extremamente forte em nosso país, e o ensino das teorias Lingüísticas poderia ajudar a diminuir isto. As pessoas aprenderiam que dizer que uma expressão como “dois pão” é inferior a “dois pães” é um julgamento social, histórico e, principalmente, político; nunca lingüístico. A ciência da língua nos diz que todo idioma é ideal à comunidade que o utiliza. Dessa forma, não é relevante a uma tribo indígena, que vive da caça, pesca e colheita, o conhecimento de vocábulos como “computador”, “telescópio”, “adjunto adverbial”; a partir do momento que eles precisarem de uma nova palavra eles a inventarão. Porém, ainda acreditamos que o Alemão é superior ao Português porque aquele tem mais expressões, quando, na verdade, isso não passa de uma visão eurocêntrica da realidade. Da mesma forma, achamos que “dois pães” é melhor, mais correto, que “dois pão”, simplesmente porque é o dialeto da classe dominante. Isso é ideologia, relação de poder, não lingüística.

Não sabemos, por exemplo, que a troca do “rê” (de caro) pelo “lê” (problema/probrema) é muito comum na nossa língua, haja vista que esses dois sons apresentam modos de articulação bastante semelhantes. Assim é que a palavra latina “gluten” deu origem a nossa palavra “grude” e a palavra “nobile” originou “nobre”. Essa troca é constante e, possivelmente, daqui a alguns anos, poderemos voltar a falar “prantação” ao invés de “plantação”, como podemos perceber nos Lusíadas, de Camões.


Para finalizar – pois todas essas discussões são muito mais complexas do que vos apresento aqui, e merecem um espaço maior dedicado a cada uma – me valho de uma citação do Curso de Lingüística Geral, de Sausurre, que depois de algumas relidas pude entender:

"Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre. Alguém pronuncia a palavra nu: um observador superficial será tentado a ver nela um objeto lingüístico concreto; um exame mais atento, porém, nos levará a encontrar no caso, uma após outra, três ou quatro coisas perfeitamente diferentes, conforme a maneira pela qual consideramos a palavra: como som, como expressão de uma idéia, como correspondente do Latim nudum etc. Bem longe de dizer que o objeto precedo o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou posterior às outras".


Todas as ciências partem do significado da palavra para, a partir daí, criarem seus objetos de estudo. A palavra “sociedade”, por exemplo, terá diversas conceituações de acordo com a área de estudo, mas a lingüística é a única que pode considerar “sociedade” simplesmente como uma seqüência fonética dotada de sentido a uma determinada língua (a portuguesa). Os lingüistas consideramos a palavra em todas as suas dimensões (sonora, estrutural, funcional, semântica, estilística) e podemos, assim, definir, criar nosso objeto de estudo, a partir da forma como encaramos a palavra.

A palavra tem asas, eu me prendo às suas e vou; vôo. Nas asas da palavra. Alis verbi. Até a próxima.